Tuesday, September 16, 2008

Criadores e Criações

Talvez, se eu tivesse asas como a dos anjos, as penas estremeceriam, acusando o êxtase em momentos como aqueles.
O sangue descia em pequenos filetes pelo meu corpo, buscando o delinear dos traços marcados e moldados pela mão de minha criadora. Meus olhos perdidos no deleite que me consumia, brilhavam estranhos para qualquer um que me visse.
Aquela sensação percorria minhas entranhas.
Das pontas de meus pés, subia como gostosos arranhares. Não tão lentos, muito menos rápidos demais.
Atingiam minha virilha, penetrando-me mais fundo, abrindo caminho como animais sedentos de sangue, rasgando-me por dentro em garras afiadas trespassando meu coração.
Um grito longo, seguindo o estremecer de meu corpo, vinha carregado de lascívia, prazer e entrega, enquanto meu corpo caía sob o peso daquele momento.
minhas mãos tocavam ao, chão, minha cabeça pendia para trás e minha respiração arfava.
Eu não enxergava mais nada. Cega momentaneamente no formigamento de um corpo inteiro.
- Lembre-se de suas obrigações, Gárgula!
Êxtase, cortado em lâmina de ferro frio com a voz que me trazia de volta.
Presas que rangem, respiração pesada e o urro que antes era de prazer, torna-se de raiva.

Pedras rasgadas por minhas garras e meus olhos ganham um tom canhestro.
- Você ainda não se livrou da Inquisidora.
O cheiro pútrido no ar, se misturava ao líqüido viscoso. Antes carícias que lambiam-me prazenteiro, agora grilhões que parecem pesar.
Gritos implorando perdão que foram silenciados com gritos de dor extrema.
Dor para eles, prazer para mim. Para ela. Para nós...
- Ela não caça tua prole, minha senhora - respondi em meio a um rosnar.
- CAÇARÁ! GÁRGULA INSOLENTE! ESQUECESTE QUEM DEU VIDA A TI? QUEM TE DEU A ETERNIDADE?
Ali só haviam restos mortais. de crianças, jovens e adultos. De humanos que poderiam parecer inocentes aos olhos de muitos. Inocentes para os demais...
- Esqueceste de seu código para conosco, Angela?
Por um momento. Um breve momento, minha criadora pode ver minhas garras se fecharem em seu pescoço. Um suave arranhar. Sutil o suficiente para que logo eu caísse prostada ao chão. Tremendo e implorando por perdão.
- Perdoe-me minha senhora. Perdoe-me por ter ficado cega por um momento e ter esquecido que não é a ti quem devo ferir, estripar e eliminar da face da terra. Eu encontrarei a Inquisidora. Ela não mais será ameaça para ti ou para tua estirpe.
Um suave repousar da mãos em meus pétreos cabelos, podiam ser sentidos como se estes fossem os mais sedosos.
- Em milênios que me serves, esta é a primeira vez que ousaste tanto, Angela. Desta vez a perdoarei. Apenas por ter me servido bem por tanto tempo.
Eu não podia matá-la, não podia ferí-la mais do que feri nesse momento. Mas isso é algo que EU não posso fazer. E eu não estaria quebrando meu código se ao defendê-la ferozmente nossos inimigos a matassem.