Friday, August 15, 2008

O Sofrimento de um Celta...

Uma semana.
Quem sabe, até mais?
Apenas posso dizer que desde que dei a notícia e deixei tudo por conta do necromante, venho castigando as minhas mãos.
Não havia um saco de areia, muito menos um bandido, demônio ou qualquer coisa que fosse suficiente para tirar aquele desgosto que eu sentia.
Minhas mãos estavam feridas, a respiração descompassada e minhas lágrimas escapavam quando eu me encontrava só.
No escuro eu observava aquela cama de campanha que Alice costumava repousar.
Era a primeira vez que eu não zelava pelo sono dela e isso estava me corroendo.
Tantas coisas estavam me corroendo naquele caso da gárgula...
- “Ela precisa voltar por si mesma, Jean. Sem interferências minhas”...
Fiquei sem reação quando escutei Thorn falando aquilo para mim. Eu não sei se ficava com mais raiva do Necromante, de Togarini, de Geburah, ou de mim mesmo. Sempre zelei por Alice e pelo sono dela. Já me feri, quase morri e tantas coisas mais. Mas, não conseguia esquecer o momento em que o telefone tocou em nossa seção, informando-nos que uma agente estava na mesa de operação do Hospital de Nova Orleans. Não consigo me perdoar por ter telefonado para Thorn, dando a notícia e esperado que ele usasse a necromancia mais uma vez.
Não consigo esquecer de todos os dias em que observei pela porta entreaberta, aquele Viking segurando a mão de Alice, chamando-a de volta, quase que numa súplica para que ela não nos abandonasse. Das palavras entaladas na garganta dele em que ele teimava dizer que não a amava e que eram apenas amigos.
Não consigo...
- Tenho pena de quem você está espancando com imensa fúria.
O saco de pancada era retirado de meu alcance e me lembrei que precisava respirar, mas isso não evitou que eu esmurrasse a parede por ter sido interrompido.
- Jean. Sei de seus sentimentos, mas você não está ajudando em nada. O Garoto conseguiu as informações. Alice buscou a gárgula e quase morreu. Thorn está naquele hospital cuidando dela e garantindo que nenhuma besta ou anjo desvairado escape. Muitas pessoas desapareceram no festival de Lughnasadh e você precisa decidir se ainda seguirá Geburah ou se enfrentará a fúria dele por conta de sua rebeldia.
Meu corpo estava tenso, minha mão estava sangrando e doendo, eu estava levando bronca de alguém que consegue manter a voz inalterada e baixa.
- “Você me lembra o Primeiro com todo este orgulho e rebeldia”.
Por um breve momento, realmente breve, a voz de Geburah pela primeira vez me trouxe de volta à razão. Não fora Anderson em sua bronca, mas Geburah em seu modo frio que me fez lembrar o quanto minhas ações estavam prejudicando os adormecidos e aqueles que jurei zelar.

Friday, August 08, 2008

Às vezes, vale a pena voltar...

... - Seu desejo é uma ordem, Milady...
... - Ainda nos encontraremos Inquisidora...
... - Ainda não é sua hora, minha avatar...
Os momentos finais... Aquelas palavras se repetiam em minha mente como em pesadelos que não conseguia despertar. Tudo me lembrava pequenos pedaços de um filme que se prolongara mais do que eu gostaria.
Um rosto pétreo...
Um rosto desconhecido...
Uma voz reconfortante...
... - Ainda não é sua hora, minha avatar...
... - Ainda não é sua hora...
... - Ainda não é...
... - Sua hora...
... - Volte...
... - Eu lhe peço...
... - Volte...
... - Eu...
Meus olhos se abriam devagar... Trêmulos... Quase sem vontade de abrir...
Meu rosto virava devagar e aos poucos meu corpo foi percebendo que alguém segurava a minha mão.
Meu corpo estava cansado e uma prova disso é que eu segurava a mão da Alice.
Estava quase desmaiando de cansaço após tanto tempo de vigília.
Jean pela primeira vez recusou a entrar naquele quarto. Algo estava o incomodando naqueles dias.
Eu sabia que ele sofria, mas não podia abandoná-la. Jamais dei tanta importância à vida de uma pessoa além da minha e, no entanto, lá estava eu, ali, implorando para que ela retornasse à vida.
Por sua própria força de vontade e não por minha interferência de necromante.
Era madrugada de Lughnasadh, na verdade, suas primeiras horas em um festival que a princípio visava apenas festas boas, com alegrias e esperanças renovadas. As pessoas buscavam a proteção da Deusa e do Deus, louvando-os em contentamento por uma colheita farta, mas entre eles, havia aqueles que aproveitavam esse momento para fazer outro tipo de colheita.
Almas, sacrifícios, tantas coisas mais e Alice compreendia esse tipo de colheita...
Por todos os aspectos da morte... Era madrugada de Lughnasadh, suas primeiras horas, quando recebi aquele telefonema.
- “Alice está na mesa de operação”...
Thorn estava cansado. Isso era visível ao notá-lo ali, repousando, sentado em uma poltrona segurando a minha mão. Chamando-me de volta a vida sem usar seu conhecimento em necromancia. Algo incomodava minha garganta, mal tinha forças para falar e o único gesto que consegui foi mover meus dedos levemente.
- Alice? – Ergui meu olhar. Nunca um calafrio foi tão bem vindo quanto aquele. Muitos poderiam achar que havia um amor entre nós dois, mas a maior parte do que incomodava Jean, era a minha cumplicidade e meu entendimento com ela. Não precisávamos falar muitas coisas. Eu a compreendia e ela também me compreendia e desde que me tornei o tutor, guardião e amigo confidente, nossos laços se estreitaram muito mais. Sabíamos que isso podia se tornar um elo fraco entre nós, mas também sabíamos que jamais deveríamos fraquejar. Aprendemos um com o outro, que o uso de nosso elo fraco, deve ser aquilo que nos fortalecerá e que se tornará nosso principal incentivador de grandes sacrifícios em nome do Arcanjo da Morte.
Uma semana... Havia passado uma semana desde aquela madrugada de Lughnasadh.
Às vezes... Raras vezes... Recordo-me porque vale a pena voltar.