Sunday, December 25, 2011

Post Mortem - VI


Os sinos bateram por um tempo prolongado, ensurdecedor...
Milhões de vozes alcançavam o céu em um louvor irritante, asqueroso.
Aquilo entorpecia meus sentidos e a sala voltava ao breu antes da luz de velas, antes do sangue derramado...
Minha cabeça latejava e os sinos não paravam...
Flashs de luz cortavam a escuridão em movimentos rápidos e meu corpo tremia de tamanha tensão que ele se encontrava.
Mais uma vez eu encontrei o corpo daquele rapaz que eu não queria deixar sozinho naquele limbo maldito.
Voltei a recostar meus lábios aos dele sentindo aquele sabor inigualável. Doía-me o coração ao mesmo tempo em que meus sentidos se amorteciam.
As luzes de velas voltavam, assim como o entoar de um rito sagrado e respeitoso.
Minhas mãos se ajeitaram ao corpo do rapaz e à medida que meus olhos ficaram vazios eu o ergui junto comigo.
Nossos cabelos se mesclaram no negrume que possuíam e trouxeram carícias de uma despedida prolongada que eu não queria me permitir...
Vir-me-ei e dei alguns passos, carregando-o para longe daquele limbo, para fora daquele círculo feito em sangue e runas...
Pude ver um olhar confuso... Pude escutar as palavras que gritavam ao peito de quem me chamou com tamanho respeito...
– Enterre-o... – murmurei depositando aos braços do homem de traços rudes, o rapaz que eu trouxe comigo...
Sentei-me no primeiro local que encontrei e fechei os olhos...
Ah! O doce e suave aroma das lágrimas... Como era bom senti-lo aliado à descrença, à alegria, e a uma surpresa...




"Batem os sinos pequeninos, sinos de Belém..."

Thursday, December 22, 2011

Post Mortem - V


Mais uma vez meu corpo ergueu...
Meus olhos varriam o local, pois havia sangue, mas não havia corpos.
Corpos? Sim! A quantidade de sangue não me indicava isso, mas o aroma diferenciado de sangues misturados.
Um casal, nada mais que um casal assombrado por natais passados. Havia medo naquele sangue; naquelas paredes; naqueles cacos espalhados...
Havia implorares e recitares... Havia tempo que eu não escutava aquele tipo de recitar, aqueles símbolos que foram desenhados ao chão...
Mais alguns passos e o frisson aumentava com a identificação de mais duas vítimas, mas estas não estavam mortas... Parecia-me que elas estavam desaparecidas...
Outro casal... Um tanto quanto mais jovens... Mas há algo diferente nesse quadro, apesar de achá-lo semelhante com algo...
No quadro inicial havia raiva... Não! Na verdade era a famosa ira descontrolada...
Ira... Medo... Tranquilidade...
“– Foram seus olhos...” – murmuro baixo, arrepiando-me por completo.
Lembranças perdidas que se mesclavam com a visão... Não! Elas se mesclavam com o sabor que não saía de meus lábios.
Mais uma vez as imagens pareciam dissolver. Ou assim tentavam, mas não conseguiam...
Aquele símbolo ao chão murmurava mais coisas que me mantiveram o observando, dando atenção ao que ele cantava... Declamava...
Havia respeito... Algo mais...
Mais alguns passos foram dados, pois não me interessava às almas dos que não partiram, mesmo sendo almas de infantes...
“– O que estou pensando?” – o mesmo murmurar. Quase sem emoção, quase sem vida.
O dia corria, assim como correu o dia anterior...
Algo iria acontecer...
Nesse local...
Nessa casa...

Wednesday, December 21, 2011

Post Mortem - IV


Escuridão...
E aqueles lábios macios...
O ar saia em um suspirar desanimado e meus olhos se abriam aos poucos.
Ali estava aquele rosto másculo e ao mesmo tempo com traços delicados. Ele mantinha seus olhos distantes, vazios, mas por que pareciam aliviados?
Mal pude dizer-lhe adeus, ele apenas partiu, ali, em meus braços...
Lentamente meu corpo foi erguendo. Eu não queria partir, não queria deixá-lo ali naquele lugar escuro e sem vida.
Seu corpo foi se distanciando, se desfazendo em névoa ou trevas, não estou bem certa sobre este fato. Talvez fosse apenas uma lembrança com o mesmo sabor amargo que eu sentia em meus lábios...
Não, aqueles lábios que beijei não eram amargos e sim macios com o sabor de liberdade, um sabor inesquecível.
Meus dedos relembravam aquela maciez, enquanto meus pensamentos vagavam por outras paragens.
O aroma das lágrimas, da angústia apertada ao peito. De mãos feridas e desejos de suicídio... Homicídio... Fratricídio... O cheiro de morte empesteava o ar.
Respirei fundo e fechei os meus olhos. Escutava murmurares em uma língua conhecida. Havia rouquidão naquela voz que me deixava curiosa. Meu cenho franziu à medida que meus passos me guiaram àquele lugar.
A escuridão foi sendo trocada por uma suave luz de velas... Na verdade várias velas se espalhavam pelo local... Traços riscados à madeira úmida de sangue... Sangue fresco recém derramado salpicado por paredes e bolas de vidro quebradas com o impacto...
Abaixei-me e senti com as pontas dos dedos a viscosidade do sangue. Minha pele arrepiou levemente ao me deparar com aquela árvore caída ali...