Tuesday, August 18, 2009

Liberta-te

- Confias na humana?
Aquela voz atormentava-me desde que encontrei aquela mulher de olhos ferinos pela primeira vez. Às vezes ele surgia na voz de minha criadora, incitando-me em meu desejo de sangue, dizendo-me que a agente não pararia, até matar todos os Morgan e extinguir a minha vida. Mas em todas as nossas batalhas, meu código de honra falava mais alto.
- Ela brinca contigo!
Não! Ninguém brincaria daquela forma, não uma predadora como ela, que me dá calafrios só com aquele olhar. Nem mesmo seres que não pertencem a este mundo humano, me fizeram ficar atormentada desta forma.
- Ela te matará quando menos esperardes.
Não seria tão fácil. Mesmo me ferindo, ela não possui regeneração, ela é uma mera mortal que deve estar morta há essa hora. Meus ferimentos naquele corpo fraco sempre a fazem desaparecer por algum tempo.
- Quem garante a ti, que ela é uma simples mortal?
Por que aquela voz me atormentava? Por que não me deixava em paz?
- Ela já matou um recém nascido. Foi capaz de matar a própria família quando ela poderia ter impedido. Não conheces aquela que é movida pela morte, que possui uma alma regada de sangue. Ela te matará primeiramente, para depois matar todos aqueles que amas. Manipula-te para que mates tua criadora.
- Não! Ela jamais conseguirá isso! Eu... Não posso matar Christine Morgan... Por mais... Que eu desejasse... Por mais.... Que eu deseje...
Silêncio... Por um tempo aquela voz se silenciava, depois de me atormentar, de instigar-me e criar dúvidas em minha mente. Todas as mortes que já vi, de meus protegidos, mesmo vindo pelas mãos dos McArthur, pareciam ganhar uma nova sombra; um olhar de desafio, daqueles olhos que não temiam a morte.
Meu corpo inteiro tremia, não havia forma alguma de esconder de Christine a morte não natural de um Morgan. Ela saberia... Seu grimório amaldiçoado... Eu devia tê-lo destruído séculos atrás, quando o filho mais velho de Christine morreu... Não... Sem o grimório, minha missão de defendê-los tornar-se-ia muito mais difícil e eu não teria salvado tantos como salvei.
- Posso ajudar-te... Gárgula... Livrar-te de tua condição servil com os Morgan...
Eu ainda tinha James “Morgan” Norrington em meus braços. Aquele rapaz que disse meu nome em seu último suspiro. Minha alma ainda se encontrava dilacerada com a dor da perda de meu protegido e aquele anjo, com asas brancas e semblante tão sério me envolvia aos poucos com suas asas.
- Mate a agente, antes que ela te mate...
Matar... Matar alguém que não fosse McArthur... Que não estivesse ameaçando a vida de um Morgan...
- Lembra-te, quando matavas para aplacar tua fúria? Teu desejo por sangue e corpos dilacerados... De quando ainda tinhas o prazer pleno da verdadeira alma caçadora que bate em teu peito?
Corpos dilacerados. Gritos. Medo aos olhos... Sangue... Carne humana fresca... Deliciosa...
- Ângela...
Meu transe era partido com a voz de Christine. Ali, perante a imponência da feiticeira, eu me encontrava prostrada, com James aos meus braços. Ali ela via meu sofrimento e se aproximava, percebendo meus ferimentos que ainda se fechavam.
- Quantos mais, deixarás morrer em teus braços?
- Quanto mais, manterás tuas correias?

Tuesday, August 11, 2009

Entre a Vida e a Morte

“Deixe-me morrer” – era o que eu tinha pensado, era o que eu queria quando Togarini me interrompeu e falou para que eu não pedisse aquilo a ele.
Havia muito tempo que Togarini me acompanhava e quis acreditar que ele jamais seria como Geburah. Mas arcanjos nunca criam elos emocionais, nunca somos algo a mais para eles, além de sermos fantoches de seus sadismos, manipulações e ambições.
Bom... Talvez apenas Madeleine seja um caso contrário, mas ela não é uma mortal; é um deles. Filha do que contestara; daquele que fora julgado apenas por desejar o livre arbítrio. Conhecido como o mais sábio e belo de todos.
Aprendi a ver Estrela-da-manhã com outros olhos, depois que conheci a história dela e por conhecer esta face da moeda, criei tamanha resistência no caso de Ângela.
As carícias de Togarini em meu corpo, que se mantinha inerte ao beco, traziam um abraço amornado, um carinho de lembranças daqueles que me amaram.
O amor de meus pais, de meu irmão, de Jean... De Thorn...
- Não me peça para fazer isso...
Aquelas palavras se repetiam, em uma lamúria, um pesar quase dolorido, naquela voz de tons baixos e graves, em que meu corpo amolecia aos poucos, sem batalhas, sem demônios, arcanjos e nada mais. Apenas aquele abraço que me envolvia, que me protegia, que estremecia a cada arrepio que eu sentia.
Arcanjos não se apaixonam, não se envolvem, não possuem sentimentos. Não... Madeleine provou o contrário, mostrou a face do pai que amara, que sofrera e sofre por não poder dar o amor de um pai para ela como ele gostaria de dar, mostrara-me um arcanjo, um caído que mesmo manipulando as mentes o espaço e o tempo, fora capaz de chorar, de gritar em profunda dor, quando um dia, ela quase morreu aos braços dele.
- Não me peça para fazer isso...
Togarini segurava minha alma por um fio, delicado, frágil e prateado. Trazia as lembranças de todos os momentos em que beirei a morte, onde ele nunca impedira minha ida para o vale das sombras, mas que agora estava ali a me segurar, murmurando para que eu não pedisse a ele a minha partida...
- Você prometeu uma morte honrada a ela...
Golpe baixo, mesclado a uma dor que começava ficar mais presente. Lampejos de momentos com ele. Lembranças... Sim... Togarini reavivava em minha mente todas as lembranças, de todos os momentos em que estivera ao meu lado, em que estivera presente. Lembranças fortes onde pude ver sua mão, sua foice hesitar uma vez. Parar enquanto estava a caminho de meu coração. Aquele momento eterno em que nossos olhos se cruzaram.
“Foram seus olhos”
Sim... Meu coração pulsava mais forte, começava a se lembrar que mesmo em tamanho pavor, vendo meu irmão transfigurado na morte certa que eu teria, foi ver Togarini à sombra de meu irmão que me trouxe paz, que acalmou meu coração naquele momento exato. De que meus pesadelos terminariam, de que não haveria mais tormento e que eu encontraria finalmente paz.
Minha paz. A aceitação de meu destino pré-determinado era o que trazia calafrios ao arcanjo da morte. Não por que ele me perderia para sempre, devido ao meu contrato com Geburah, mas talvez porque eu tenha encontrado em Togarini a paz que sempre busquei e isso é algo para o qual ele não estava preparado.
O elo tornava-se mais forte, pela primeira vez eu podia sentir a dor que assolava o arcanjo, podia compreender aquele arrepio que ele sentia, e debilmente eu me erguia. Debilmente eu apoiava meu corpo à parede e me arrastava a cada passo trôpego que dava.
Era hora do grande embate...
Togarini e Geburah finalmente se enfrentariam... Cara a cara.