Thursday, December 17, 2009

Dos Braços...

A besta poderia ter muitas faces e eu bem conhecia este lado, pois muitos já viram minha face bela e tantos outros a minha verdadeira face, mas nada se compara à besta-fera que encontrei em meus séculos de vida.
Uma humana que, aos poucos, mostra suas presas e garras mais afiadas que as minhas, mudaria a opinião que eu tenho de minha criadora.
Por muito tempo culpei Christine Morgan por me prender a um código de honra que me torna uma serva fiel, pois caso o contrário, a morte não será mais um novo começo, e sim, o fim.
Praguejo um bocado, pois seres como eu, voltam ao seu local de origem e buscam uma nova passagem para o mundo dos mortais. E assim, damos continuidade às nossas caçadas. Mas a bruxa me privou de tudo isso e acabou despertando um lado que mal consigo controlar.
Muitas magias foram lançadas sobre mim para que eu não me tornasse uma criatura incontrolável e sedenta de sangue.
Desejei por muito tempo a morte de minha criadora pelas mãos de outrem, já que eu não poderei matá-la. No entanto, se eu estiver por perto, isso poderá significar a minha extinção.
Mas será que criaturas como eu, realmente deveriam ter uma chance na vida de conviver entre os mortais?
Quando encontrei a inquiridora; eu achei que poderia matá-la facilmente... Achei errado e hoje fico a observá-la, assim como os amigos que ela possui a observam. Minha criadora murmura ao meu ouvido que é chegada a hora, pois a inquiridora parece absorta em seus pensamentos, parece cansada.
Como uma boa caçadora, eu não dava atenção àquela voz que vinha me importunando. Christine era determinada, mas ela não insistiria em uma morte com tanta determinação, se a presa não mostrasse perigo para a sua prole.
Mas agora... Meus dentes rangiam, eu sentia o cheiro de morte e sangue à distância. A caçadora no momento era aquela mulher, de olhos ferinos, banhada em sangue e sentada ao trono de mortos...
Uma predadora que atraía sua presa com a isca perfeita.
Havia muitos inquisidores mortos, muitos feiticeiros. Ela não se contentou apenas com os humanos, mas também com a casta celestial e demoníaca. Não atraía apenas os meus olhos, mas os de tantos outros mais, como se desafiasse a todos.
Uma emboscada com início e fim e eu me perguntava qual era o verdadeiro sentido de tudo aquilo.
Havia certa tensão ao ar e todos se aproximavam cautelosos, enquanto o olhar dela parecia distante.
Por que tantos mortos em um só lugar?

— Mostre sua última carta... Alice

Wednesday, November 04, 2009

Mas Jamais Fugirá...

Meu corpo treme e eu já não sei se é por êxtase, ou por estar sendo consumida com a presença de Togarini que está a tanto tempo manipulando meu corpo. Não que eu seja contra, pois não me sentia liberta desde o recrutamento do FBI...
FBI?...
Não posso culpar Jean ou mesmo Anderson por seguirem Geburah. E se eu gostasse de manter as práticas do Opus Dei, diria que a culpa é minha e do Arcanjo da Justiça que entrou na minha vida.
Estava cega pelo desejo de vingança contra o monstro que matou meus pais, desejava eliminar toda aquela dor que eu sentia, infligindo isso a um culpado qualquer que eu encontrasse.
Fui capaz dos atos mais atrozes e não posso dizer que me arrependo, pois estaria sendo hipócrita, mas também não posso fingir, que alguns poucos casos, às vezes me fazem olhar o passado e ter essa sensação de vazio.
Talvez, não sei, mas talvez, desde meu nascimento, eu optei por escolher uma vida solitária. Motivos? Porque assim, eu não magoaria, não faria as pessoas chorarem, ou sentirem a minha falta. Mas a humanidade é engraçada em um dos desígnios de Deus.
Ajudai uns aos outros e não os deixei cair em tentação.
Então qualquer tipo de fuga que seja, é vista como uma abominação que deve ser extirpada.
E cá estou eu, em meio a tantos corpos dilacerados, com seus corações arrancados, olhos devorados, saboreando os sonhos, desejos e sentimentos que cada uma de minhas vítimas tiveram, enquanto Togarini usava meu corpo para saciar sua fome mais devassa.
E não me arrependo...
Mas às vezes, são os sentimentos delas que estremecem meu corpo, me fazem suspirar mais forte e pensar...
Ela estava pensativa, sentada em seu trono de corpos mutilados, coberta de sangue da cabeça aos pés e a única coisa que destacava eram aqueles olhos ferinos; amarelados tais quais de uma tigresa a espreitar. Estava a analisar o porte dela, a respiração, o olhar. Havia a ferocidade, mas também havia um vazio capaz de sugar qualquer um que a encarasse. Meu corpo estremecia, talvez de êxtase, talvez receio. Mas eu não me arrependia de tê-la apresentado ao Arcanjo da Morte. Alice era uma pessoa que desejava acabar com aquela dor e talvez, se Geburah a tivesse encontrado antes, ela poderia ter morrido mais cedo. Ou talvez, Alice só tenha perdurado esse tempo todo, devido às desavenças dos dois arcanjos desejosos por aquela alma tão sombria. Sim.. Eu conheci Alice, antes mesmo dela firmar pacto com os dois Arcanjos. Fui seu primeiro guardião, talvez por ver certa fragilidade naquele corpo, aquele desejo por morrer e não querer ferir mais ninguém. Escutei seus gritos e implorares capazes de despertar desejos estranhos e dos mais variados possíveis em qualquer criatura. Nas terrenas, compaixão e pena; nas infernais, lascívia e deleite; e nas celestiais; ambição e vingança.
Não me arrependo de ter acolhido aquele corpo frágil, com alma tão forte e capaz de segurar dois arcanjos. Sei que isso será a causa da morte dela e apesar deste coração de pedra que tenho em meu peito, começar a esmorecer, minha interferência resultará na morte de muitos, principalmente dela.
Eu já não sabia mais que olhar era aquele. A primeira vez que a prendi, o aspecto dela se encontrava da mesma forma. Eu vi que não era ela quem estava presente. Havia tanta maldade ao olhar, mas dessa vez... Era diferente.. Havia aquilo, mas também.. Havia um vazio... Uma certeza... Meu corpo estremecia perante os sentimentos que me consumiam. As dúvidas que começavam a brotar em meu peito, de que não haveria mais salvação, de que o Arcanjo da Morte havia vencido e que eu perderia a companhia de Alice de uma vez por todas. As escolhas eram difíceis, mesmo tendo sido os Inquisidores, a própria justiça, que tenham matado muitos de meus ancestrais, tornando-os hereges; Os tempos de hoje exigiam que fizéssemos pactos com seres de outro plano de existência, para que a balança se mantivesse equilibrada. A princípio, não concordei com Geburah, pois o alvo remontava minhas origens. Alice por muito tempo conseguiu mostrar o quanto estávamos sendo manipulados naquela situação em que a Justiça prevalecia dos dois lados e que estaríamos quebrando nossos princípios tomando partido, mas hoje tenho minhas dúvidas, depois de avaliar o saldo de mortes. A Gárgula matou bem menos do que a Alice, desde que esse caso começou. Sei que não posso mais ficar ausente, mas também sei que dependendo da minha decisão, o resultado final significará uma morte. Resta-me descobrir se será a minha morte, a morte de minha alma, ou a morte de meu coração. Temo por qualquer uma das respostas, pois posso vê-las aos olhos de Alice.
Desde minha conversa com Lúcifer, venho andado de modo cauteloso. Não por temê-lo, mas por pensar em suas últimas palavras. Não aquelas de que eu já havia perdido minha batalha para o Arcanjo da Morte, mas no que ele disse sobre estratégias militares.
Maldito seja o portador do conhecimento, pois de forma esmagadora ele sabia como acabar com qualquer convicção. Ao trazer à tona as lembranças de meus irmãos que me julgaram aos seus olhares, quando minha declaração de guerra causou a morte de Ramiel. Certas batalhas são vencidas com espadas, lanças e corpos mutilados, mas outras batalhas... Simples palavras já bastavam.
Onde estás meu Pai? Por que me abandonaste desta forma?

O corpo dela estremecia. Era um corpo humano apesar dos pesares. Deixei que ela descansasse por um tempo e fiquei a observar a forma que Jean e Thorn observavam Alice. Havia dúvidas, resignações. A morte da avatar estava clara aos olhos deles e minha presença apenas aumentava esta certeza. O que eles não sabiam é que esse desejo era dela. Desde o princípio sempre fora o desejo da agente, encontrar a morte. Se não comigo, teria sido com um dos outros seis e talvez, no caso deles, a vida dela não teria sido poupada e o desejo dela teria sido atendido. Pode ser um lado sádico meu, mantê-la viva e tê-la tornado minha avatar devido ao potencial dela. A busca não apenas da própria morte e o desejo de sangue em sua alma vingativa, sempre esteve presente, o que me tornou mais canalha que Geburah, ao deixar Alice aceitar o acordo com ele. Eu poderia ter impedido. Mas.. No fim das contas... Afeiçoei-me a esta mortal... Não por amá-la, como Lúcifer um dia amou uma mortal, mas pelo simples fato de que posso ver-me refletido aos olhos de Alice.

Wednesday, October 14, 2009

Você pode se esconder...

A parede ruía. Rompia perante a minha fúria. O Arcanjo da Morte havia passado dos limites. Eu ainda podia escutar os gritos de Ramiel em minha mente. Desde quando o criador havia dado tamanho poder para os Arcanjos da morte? Não seria ele quem deveria ter o poder de nos exterminar e nos julgar? Eu ainda posso me lembrar dos olhares de meus irmãos. Dos Seis Arcanjos que restaram da antiga hierarquia.
Miguel, Rafael, Gabriel, Uriel, Sariel e Raguel condenavam-me com seus olhares. Ainda estavam apegados aos tempos em que o Criador estava mais presente. Esqueciam-se que na ausência dele não devíamos jamais fraquejar, pois a guerra se mantinha, mas a morte do Trovão de Deus... Do conhecido Anjo da Esperança...
Não! Togarini estava indo longe demais em suas declaração de guerra contra mim, apenas por causa de uma ínfima humana.
— Sabes que ela não é ínfima Geburah...
Aquela voz... O que ele fazia aqui?
— Não me faça essa cara de espanto, Geburah. A morte de Ramiel pôde ser ouvida em todos os recantos. Não pude deixar de sorrir ao ver meu arrogante irmão, tido como a esperança, ou como aquele que guiará as almas dos mortais à presença do Pai, sendo estraçalhado por uma das mais novas criações do Senhor...
— Eles são aberrações... Sete Arcanjos criados com o único intuito das faces da morte?
Ele riu de forma baixa, rodeava-me como uma serpente prestes a esmagar meu corpo e mesmo odiando-o por tudo que ele fora capaz de fazer, ainda me sentia impotente perante a presença dele. Como Miguel conseguira?
— Não pense demais Geburah. São pensamentos assim que fazem anjos caírem. É uma pena que nosso pai sentia-se confuso em relação a Ramiel. Às vezes tornava-o esperança, outra vezes o fazia ser confundido com Azazel... Outras vezes... Tornava-o um caído por ter tido uma esposa terrena e ter me seguido em minha teimosia e outras vezes não decidia se ele era Ramiel ou Remiel...
Meu corpo estremecia. Havia um ódio imenso se apoderando de mim com aquelas palavras que ele dizia, mas o calor amornado do abraço que me envolvia, aquele murmurar sereno e cálido...
— Teu maior erro, foi desejar algo que não te pertencia, Geburah... Os Arcanjos da Morte possuem algo que vocês jamais terão... O lado obscuro do Pai...
— Basta! – Murmurei fraco perante as verdades de Lúcifer. – Como consegues manter-te calmo se Togarini também está matando dos teus?
— Meus? – Ele riu baixo, tomando meu queixo em suas mãos, olhando-me com a mesma frieza e sarcasmo que Togarini possuía quando deixava claro que eu jamais venceria nas escolhas da humana.
— Cada um pertence a si mesmo e eu apenas irei ver de camarote a tua queda, Geburah. Togarini jamais teria chegado a tanto, se tu não tivesses resolvido usar Alice como exemplo.
— Ele não me vencerá! – Afastei aquela serpente, aquele traidor que ainda era o mais belo dos belos em sua aparência. Que fora expulso da companhia do Pai. Banido por sua arrogância e pretensão.
— Ele já te venceu, Geburah. Acaso não percebeste... – ele sorria afastando-se de mim, ainda me deixando impotente perante a presença dele que se dissipava aos poucos – E eu realmente ainda me divirto com a mentira sustentada por Mikhael...
O que ele queria dizer com aquilo?
— Quem em sã consciência e visão estratégica, deixaria o inimigo de Deus vir para o lar dos mortais com um terço do exército celestial?

Tuesday, September 22, 2009

Você pode correr...

O medo naqueles olhares era forte o suficiente para afastar as pessoas e torná-las presas fáceis. Presas prontas para o abate, mas os adormecidos não eram a carne que eu queria mastigar. Meu corpo se movia, meus instintos me guiavam. Cada fresta, cada buraco, cada templo arrombado, e eu sorria. Deleitava-me com os gritos de que não sabiam; dos pedidos de perdão; do implorar por uma morte rápida a cada vez que eu arrancava um órgão e os trazia de volta à “vida”. Ah! Deliciosos corações devorados, que guardavam as emoções e não a alma, que continha o poder inimaginável em seu gosto férreo, de um músculo quase de aço. Divertia-me com o quebrar de ossos, o rasgar da pele, as palavras balbuciadas, confirmadas apenas ao que o manjar final era sorvido. Huuum! Como era delicioso o estremecer do meu corpo, ao sentir aquele líquido ocular viscoso, adentrando minha boca, saciando minha fome, trazendo à minha mente toda a vivência daquela alma. Demônios que encontraram a gárgula, cada morte que trouxeram aos Morgan, assim como anjos da guarda que protegiam os McArthur. Os gritos chegavam aos céus e ao inferno e quantos mais mandassem para mim, mais diversão eu teria.
— O Criador jamais os perdoará... – Balbuciava um anjinho, depois de ter sido depenado, ter suas asas rasgadas, suas tripas arrancadas e seu coração mastigado.
— Ele está cansado disso tudo Ramiel! Cansado de ver suas próprias crias quebrando seus mandamentos. Cansado de suas primeiras criações, por isso fomos criados... Sete anjos para saciá-lo. Sete anjos para deleitá-lo em todo seu prazer, sadismo, fome e sede. Em toda sua deturpação, crueldade e insanidade. Alguns de vocês tomaram a rédea. Fizeram bem o seu serviço, mas a falta da graça do pai, da voz em suas mentes, tornou-os insensatos. E adivinha quem ele usa para relembrá-los de que as coisas não são tão fáceis e tão belas?
— Pensei que o olho por olho, fosse departamento de Geburah – murmurou cada vez mais fraco Ramiel.
Ri baixo, sombrio, arrancando-lhe o primeiro olho. Passando a ponta da língua naquele orbe tão cheio de vida, de lembranças, de sabedoria.
— Geburah, é apenas um maldito aprendiz que deseja superar o mestre... De onde você acha que ele retirou suas técnicas?

Friday, September 04, 2009

Assim será...

Não compreendia porque ela me perguntava aquilo, porque me olhava daquela forma consternada e receosa como há tempos eu não a via desta forma.
- Milady?
A voz de Ângela arrancava-me daquela visão que por breves momentos eu tive. Uma visão que me estremecera diante da figura sombria, que crescia aos gritos de todos os que morreram nas mãos de meus inimigos. Havia sangue e um terror crescente, mostrando-me a queda dos Morgan em tempo presente. Jamais havia me intimidado de igual forma, nem mesmo os inquisidores que um dia exterminaram quase por completo minha linhagem na invasão do Castelo, quando fomos declarados inimigos de Deus. Hereges que deviam ser ceifados por se aliarem aos demônios que protegiam o nosso reino.
- Mate-a, antes que seja tarde demais. – Murmurei desvencilhando olhos e corpo ao que ela se aproximara em sua dedicação completa.
Togarini havia movido sua peça, a mais forte dentre elas. Conhecia-o bem e sabia que era chegado o tempo de nosso verdadeiro embate. Alice havia usado sua necromancia, isso era claro de fato. Eu desejava aquela alma que se rebelara contra meu domínio, usá-la-ia como exemplo para outro corrompido. Usava minhas palavras aos lábios da feiticeira, tornando mais forte o comando perante aquela com um código de honra para cumprir. Mas jamais saberia o que Christine viu em sua mente, em seus olhos que manipulam as linhas de seu destino, então me restava manipular a gárgula aos meus desígnios, antes da Alice voltar a ser a besta desenfreada desejosa de sangue e almas.
Tudo que havia sido levantado sobre o caso, passava diante de meus olhos, algo me dizia que Alice estava escondendo algo. A velha sensação de proteção, àquela que despertara em mim tal sentimento, berrava, acelerava meu coração e minhas mãos espalhavam os papéis ao chão. Por algum tempo tive que renegar Geburah, por maior que fosse meu senso de justiça acima de tudo. Peças eram movidas em um tabuleiro que eu não conseguia enxergar e o necromante viking se mantinha silencioso, observando pela janela uma tempestade que estava para chegar.
- Sinto-me inútil, não podendo ajudar! – Berrei ao que as folhas se espalhavam pelo chão. Um castelo de cartas que se desfazia diante de minha frustração.
- Essa batalha não é nossa, Jean. Jamais nos pertenceu. – Olhei para o cavaleiro, aquele príncipe encantado. Cachorrinho perdido que pressentia a perda de sua dona e mesmo parecendo tão frio, meu coração se apertava, pois Togarini deixava claro aos meus olhos, mesmo estando tão distante de minha presença, que Alice voltara aos primórdios antes da influência de Geburah. Jean tentava ser imparcial, mas por quanto tempo mais ele agüentaria ficar ali sem interferir?
Ri, sentindo mais uma vez a “liberdade”... Sentindo aquelas lembranças que cresciam em minha mente, mostrando-me a caça que um dia fora feita. Ri com o êxtase sentido por Togarini, ao matarmos o demônio que clamava para não ser extinto. Andava cambaleante em meus ferimentos, vendo as pessoas abrirem o caminho. O medo era o alimento perfeito, aquilo que aprendi a amar, depois que selei meu pacto com Togarini. Depois que Thorn salvou-me de minha auto-cosimeração.

Thursday, September 03, 2009

Se é assim que desejas...

Não muito distante ela estava de mim, eu poderia ter ficado ao chão, ter morrido naquele momento de paz que Togarini me manteve enquanto sofria de alguma forma em meu desejo de morrer. Minha mente embaralhava com sentimentos meus e com os do arcanjo da morte. Em minha alma pétrea e desacreditada, eu poderia dizer que ele apenas não desejava minha morte, pois me perderia de uma vez por todas para Geburah. Mas o anjo negro, regente dos necromantes, deixava uma pequena fresta se mostrar, em meio a sua alma de sangue e sadismo constante.
Geburah envolvia Ângela em seus braços, sussurrando-lhe ao ouvido palavras que eu bem conhecia. Mesmo distante aquele crápula movia suas peças do modo mais pérfido. Mesmo com os corpos ausentes de minhas vistas, ela ainda estava por perto. Arrastava-me, isso era fato presente aos olhos daqueles que não se faziam presentes, deixava uma trilha de sangue, dos ferimentos abertos, mesmo não cuspindo sangue.
Corpos mortos, sangues... Poças de sangue grandes o suficiente. Corpos mortos recentemente e eu sorria.
Sorria enquanto deixava meu corpo cair de joelhos, tendo o corpo de um demônio entre eles.
Eu não tinha a trilha da vida, mas corpos são corpos e almas são almas. Símbolos traçados com o mais rico ingrediente.
- Ainda não é tua hora! – Murmurei sadicamente.
Deixava meus lábios, murmurarem à criatura abatida o amargo regresso. Seu corpo estremecia, queimava em suas entranhas, enquanto minhas mãos mostravam aquele fogo fátuo. Acorrentando-o, prendendo minha deliciosa presa que estava se recuperando em seu reino.
- Mal...ditos... se...jam... – rosnou o demônio acorrentado, vendo sua existência preste a ser dissipada.
- Há tempos o Arcanjo da Justiça tem dado baixas em seus exércitos.
- Isso nunca nos impediu... Inquisidora... Sabes bem disso...
Ri sarcasticamente, deixando que o demônio visse aquilo que ele não queria.
- Tog...
Meus dedos cravavam à pele do demônio aprisionado, puxando-o contra o meu corpo, enquanto meus olhos mudavam de cor constantemente. O fogo fátuo alterava para o verde, depois enegrecia, para o pior dos pesadelos que um demônio poderia vir a ter.
- Ele rouba em seus golpes baixos, almas que não lhe pertencem. Mantendo-se na graça do velho bastardo. Por tão menos teu regente fora desgraçado. Por tão menos teu regente perdera esposa e quase perdera a filha.
Queimava-o, consumindo-o como um bom vinho. Sentia o deleite da alma torturada por fogo e do sangue que fervia em suas entranhas.
- O QUE QUEREM DE MIM? – O rugido estremecia os adormecidos a quilômetros, lançando uma sombra de terror em seus corações.
A insegurança do lar aumentava em suas vidas, enquanto os cabelos negros repousavam ao corpo derretido.
- Suas lembranças... Sua alma...Sorri, erguendo-me em delicioso triunfo, deixando a trilha de sangue aumentar. Meus dedos deslizavam pela parede, manchando-a com os restos de um ritual necromante...
Moooorgaaaan...
Christine Morgan estremeceu por um breve momento, recuando seus passos para trás. Havia perplexidade em seu rosto. Há séculos não a via consternada, como vi naquele momento.
Ângela estava recoberta de sangue, minha gárgula parecia em paz mesmo com o coração arrancado. Quem era aquela sombria criatura que se mantinha sobre ela que me olhava de soslaio, mostrando-me igual fim a que minha gárgula teria?
- Quem é você?

Tuesday, August 18, 2009

Liberta-te

- Confias na humana?
Aquela voz atormentava-me desde que encontrei aquela mulher de olhos ferinos pela primeira vez. Às vezes ele surgia na voz de minha criadora, incitando-me em meu desejo de sangue, dizendo-me que a agente não pararia, até matar todos os Morgan e extinguir a minha vida. Mas em todas as nossas batalhas, meu código de honra falava mais alto.
- Ela brinca contigo!
Não! Ninguém brincaria daquela forma, não uma predadora como ela, que me dá calafrios só com aquele olhar. Nem mesmo seres que não pertencem a este mundo humano, me fizeram ficar atormentada desta forma.
- Ela te matará quando menos esperardes.
Não seria tão fácil. Mesmo me ferindo, ela não possui regeneração, ela é uma mera mortal que deve estar morta há essa hora. Meus ferimentos naquele corpo fraco sempre a fazem desaparecer por algum tempo.
- Quem garante a ti, que ela é uma simples mortal?
Por que aquela voz me atormentava? Por que não me deixava em paz?
- Ela já matou um recém nascido. Foi capaz de matar a própria família quando ela poderia ter impedido. Não conheces aquela que é movida pela morte, que possui uma alma regada de sangue. Ela te matará primeiramente, para depois matar todos aqueles que amas. Manipula-te para que mates tua criadora.
- Não! Ela jamais conseguirá isso! Eu... Não posso matar Christine Morgan... Por mais... Que eu desejasse... Por mais.... Que eu deseje...
Silêncio... Por um tempo aquela voz se silenciava, depois de me atormentar, de instigar-me e criar dúvidas em minha mente. Todas as mortes que já vi, de meus protegidos, mesmo vindo pelas mãos dos McArthur, pareciam ganhar uma nova sombra; um olhar de desafio, daqueles olhos que não temiam a morte.
Meu corpo inteiro tremia, não havia forma alguma de esconder de Christine a morte não natural de um Morgan. Ela saberia... Seu grimório amaldiçoado... Eu devia tê-lo destruído séculos atrás, quando o filho mais velho de Christine morreu... Não... Sem o grimório, minha missão de defendê-los tornar-se-ia muito mais difícil e eu não teria salvado tantos como salvei.
- Posso ajudar-te... Gárgula... Livrar-te de tua condição servil com os Morgan...
Eu ainda tinha James “Morgan” Norrington em meus braços. Aquele rapaz que disse meu nome em seu último suspiro. Minha alma ainda se encontrava dilacerada com a dor da perda de meu protegido e aquele anjo, com asas brancas e semblante tão sério me envolvia aos poucos com suas asas.
- Mate a agente, antes que ela te mate...
Matar... Matar alguém que não fosse McArthur... Que não estivesse ameaçando a vida de um Morgan...
- Lembra-te, quando matavas para aplacar tua fúria? Teu desejo por sangue e corpos dilacerados... De quando ainda tinhas o prazer pleno da verdadeira alma caçadora que bate em teu peito?
Corpos dilacerados. Gritos. Medo aos olhos... Sangue... Carne humana fresca... Deliciosa...
- Ângela...
Meu transe era partido com a voz de Christine. Ali, perante a imponência da feiticeira, eu me encontrava prostrada, com James aos meus braços. Ali ela via meu sofrimento e se aproximava, percebendo meus ferimentos que ainda se fechavam.
- Quantos mais, deixarás morrer em teus braços?
- Quanto mais, manterás tuas correias?

Tuesday, August 11, 2009

Entre a Vida e a Morte

“Deixe-me morrer” – era o que eu tinha pensado, era o que eu queria quando Togarini me interrompeu e falou para que eu não pedisse aquilo a ele.
Havia muito tempo que Togarini me acompanhava e quis acreditar que ele jamais seria como Geburah. Mas arcanjos nunca criam elos emocionais, nunca somos algo a mais para eles, além de sermos fantoches de seus sadismos, manipulações e ambições.
Bom... Talvez apenas Madeleine seja um caso contrário, mas ela não é uma mortal; é um deles. Filha do que contestara; daquele que fora julgado apenas por desejar o livre arbítrio. Conhecido como o mais sábio e belo de todos.
Aprendi a ver Estrela-da-manhã com outros olhos, depois que conheci a história dela e por conhecer esta face da moeda, criei tamanha resistência no caso de Ângela.
As carícias de Togarini em meu corpo, que se mantinha inerte ao beco, traziam um abraço amornado, um carinho de lembranças daqueles que me amaram.
O amor de meus pais, de meu irmão, de Jean... De Thorn...
- Não me peça para fazer isso...
Aquelas palavras se repetiam, em uma lamúria, um pesar quase dolorido, naquela voz de tons baixos e graves, em que meu corpo amolecia aos poucos, sem batalhas, sem demônios, arcanjos e nada mais. Apenas aquele abraço que me envolvia, que me protegia, que estremecia a cada arrepio que eu sentia.
Arcanjos não se apaixonam, não se envolvem, não possuem sentimentos. Não... Madeleine provou o contrário, mostrou a face do pai que amara, que sofrera e sofre por não poder dar o amor de um pai para ela como ele gostaria de dar, mostrara-me um arcanjo, um caído que mesmo manipulando as mentes o espaço e o tempo, fora capaz de chorar, de gritar em profunda dor, quando um dia, ela quase morreu aos braços dele.
- Não me peça para fazer isso...
Togarini segurava minha alma por um fio, delicado, frágil e prateado. Trazia as lembranças de todos os momentos em que beirei a morte, onde ele nunca impedira minha ida para o vale das sombras, mas que agora estava ali a me segurar, murmurando para que eu não pedisse a ele a minha partida...
- Você prometeu uma morte honrada a ela...
Golpe baixo, mesclado a uma dor que começava ficar mais presente. Lampejos de momentos com ele. Lembranças... Sim... Togarini reavivava em minha mente todas as lembranças, de todos os momentos em que estivera ao meu lado, em que estivera presente. Lembranças fortes onde pude ver sua mão, sua foice hesitar uma vez. Parar enquanto estava a caminho de meu coração. Aquele momento eterno em que nossos olhos se cruzaram.
“Foram seus olhos”
Sim... Meu coração pulsava mais forte, começava a se lembrar que mesmo em tamanho pavor, vendo meu irmão transfigurado na morte certa que eu teria, foi ver Togarini à sombra de meu irmão que me trouxe paz, que acalmou meu coração naquele momento exato. De que meus pesadelos terminariam, de que não haveria mais tormento e que eu encontraria finalmente paz.
Minha paz. A aceitação de meu destino pré-determinado era o que trazia calafrios ao arcanjo da morte. Não por que ele me perderia para sempre, devido ao meu contrato com Geburah, mas talvez porque eu tenha encontrado em Togarini a paz que sempre busquei e isso é algo para o qual ele não estava preparado.
O elo tornava-se mais forte, pela primeira vez eu podia sentir a dor que assolava o arcanjo, podia compreender aquele arrepio que ele sentia, e debilmente eu me erguia. Debilmente eu apoiava meu corpo à parede e me arrastava a cada passo trôpego que dava.
Era hora do grande embate...
Togarini e Geburah finalmente se enfrentariam... Cara a cara.

Wednesday, July 29, 2009

Um momento de paz

Ainda posso me lembrar da visão que estarreceria qualquer sensitivo ou avatar como eu. Nesse meu ultimo encontro com a Gárgula, eu fiz um jogo arriscado e meu lado sensitivo podia por horas ver Togarini apertando meu pescoço, assim como certos momentos era Geburah quem eu via. Mas também pude sentir cada pescoço que era apertado, naquele cenário complexo, já que a gárgula era uma forte candidata a ser uma avatar de um arcanjo da morte, assim como possuía um forte senso de honra, de justiça.
Ela em sua matança, nada mais fazia do que proteger pessoas inocentes que eram caçadas por uma família de inquisidores, eis que aqui entrava a lei dos mais fortes e Ângela se igualava a mim. Mas as monstruosidades se diferenciavam por um simples motivo, no começo eu caçava um monstro, que tinha matado minha família. Ângela era o monstro que caçava humanos que queriam destruir a “família” dela. Eu comecei a matar por puro prazer, depois que percebi que minha vingança não poderia ser completada. Ângela mata por prazer, mas em alguns casos mata por obrigação. Há muito já não me sinto obrigada a fazer esse tipo de coisa.
Mas no fim, aquelas palavras da Ângela não saiam de minha cabeça. Ela desejava uma morte honrada e eu estava me tornando uma verdadeira canalha tal qual Geburah.
Sim! No final das contas o verdadeiro tapa na cara que a Ângela me deu, foi me acordar para o fato de que eu estava me tornando tão manipuladora quanto Geburah.
- Eu descobrirei e darei a morte honrada que tanto desejas, Gárgula.
Acho que foram minhas ultimas palavras até sentir meu corpo sendo arremessado e Ângela pisar em meu peito com uma superioridade que eu não via há muito tempo.
- Estarei esperando, Inquisidora.
Não sei quanto tempo tinha passado depois que a Ângela me abandonou, mas eu podia ver Togarini ali, ajoelhado ao meu lado, deixando suas mãos deslizarem suaves pelo meu corpo.
- Mais costelas quebradas. Foi difícil segurá-las para que não perfurassem mais uma vez seus pulmões. Por que desejas tanto que eu ceife sua vida, Alice?
Doía tudo. Corpo, respiração, manter os olhos abertos. Minha garganta queimava, arranhava de alguma forma. Togarini erguia a minha mão e deixava-me tocar seu pescoço, eu abria os olhos em tempos cada vez mais espaçados. Havia uma marca ali que causara um calafrio tão forte ao meu corpo e que estranhamente causava o mesmo calafrio em Togarini.
- Geburah... – Murmurei fraco, ainda sentindo meu corpo impotente de se erguer e ir embora.
- Está com Ângela, alimentando o desejo dela por vingança contra os McArthur.
Mais um arrepio forte e novamente Togarini reagia de mesma forma. O que estava acontecendo realmente?
- Togarin...
- Shhh! Alice... – Ele me interrompeu em uma voz baixa, mesmo eu tendo falado quase sem voz. Eu ainda podia sentir suas mãos percorrendo meu corpo. Sem malicias, sem intenções. Ele estava apenas ali, me fazendo companhia, enquanto eu sentia aquela vontade de não me levantar mais.
- Não me peça para fazer isso, Alice...

Thursday, July 09, 2009

Conversas Francas – Parte II

As mortes continuaram por demasiado tempo. O caos gerava medo e o medo gerava insatisfação. Eu sorria em certo ponto, enquanto outros se mantinham sérios, resignados ou incomodados.
A polícia de Nova Orleans tinha suas linhas congestionadas, o prefeito da cidade tinha passeatas diurnas à porta de sua casa, exigindo resolução dos casos. Estupradores, assassinos, seriais killers, vampiros, lobisomens, demônios, toda a laia sedenta de sangue se fazia mais presente.
Nem mesmo Jean suportara por tanto tempo ficar de braços cruzados, mas agora, poucos eram os avatares de Geburah que conseguiriam instaurar novamente a lei.
- Não sei se você fez isso para me agradar, trazendo a mim mortes em massa, ou se você resolveu se rebelar contra Geburah.
Togarini observava a cidade ao meu lado, deixando o vento noturno acariciar as penas mórbidas de suas asas. No entanto, eu me mantinha ali em silêncio, observando de cima do prédio um grupo interessante de criaturas infernais lutando contra a gárgula.
Ela lutava furiosamente, pois pouca coisa atrás havia um humano em vias de morrer.
- Não irá interferir? – A voz de Geburah vinha imponente, como se apertando minha alma ao me relembrar de que eu também era avatar dele.
- Não ainda... – Murmurei, sem desvencilhar meus olhos da batalha. A pessoa que estava morrendo murmurava algo e por ínfimos segundos, os Arcanjos viram a gárgula parar, girando na direção do humano que falara algo. Puderam presenciar e sentir o urrar da gárgula de desespero e dor e perceberem o quão mais forte ela pareceu se tornar, depois desse evento.
- Ela... – Murmuraram ambos, tornando-se mais interessados na batalha que continuava, onde a gárgula esquecia o que era dor e se tornava uma das mais ferozes criaturas bestiais.
A brutalidade dos assassinatos que a gárgula regia, satisfaria vários Caídos da casta maior e até mesmo Geburah e Togarini pareciam deleitados com o que estava acontecendo lá embaixo.
- Alice...
Era tarde demais para eles falarem algo para mim, pois a batalha encontrava seu fim e a gárgula caía de joelhos, extremamente ferida, deixando seu sangue mesclar com a do humano. Ela gritava em pesarosa perda daquela vítima que jamais teria como se defender sozinha, abraçando o corpo inerte e implorando perdão por não ter sido mais forte. Geburah sentia o amargo gosto de vitória e da derrota, porque no fim, aquela gárgula estava protegendo um inocente, estava honrando sua palavra em proteger um dos descendentes da linhagem Morgan.
- Ângela...
- GRRRRRRR!!! – Aquela voz, aquela humana parecia estar sempre presente em suas últimas derrotas, em seus momentos mais frágeis. Mais uma vez meu corpo se encontrava extremamente ferido, mas não seria dessa vez.
Por mais difícil que foi para mim, larguei o corpo de James “Morgan” Norrington ao chão e avancei sobre ela, fazendo com que ela se lembrasse que ainda era uma mera mortal. Pude escutar alguns ossos estalando, mas não vi medo, não senti o coração de ela acelerar. Ela mantinha o olhar dela frio sobre mim, inquirindo-me, parecendo desejar que eu ceifasse sua vida frágil.

- Você disse que não os caçaria. Disse que os deixaria em paz.
- E assim eu fiz Angela. Eu o deixei em paz, não interferi, quando eu poderia ter interferido. Deixei-o na própria sorte de enfrentar este mundo que ambas sabemos ser traiçoeiro. Apenas você poderá salvá-los, se ainda preferir esta prisão que cerceia sua liberdade.
- Eu não posso citar o nome dela. Não posso dar a uma Inquisidora o nome de quem me criou.
- Ou se não você estaria quebrando um juramento que lhe foi imposto. Diga-me Angela, em que momento a família Morgan quebrou o trato entre vocês gárgulas e eles?
Minha mão apertou aquele pescoço, eu percebia a respiração da humana ficando cada vez mais difícil, mas ela ainda me olhava daquela forma. Desde quando ela descobriu o vínculo?
Meus dentes rangiam, eu apertava cada vez mais aquele pescoço, sentindo o cheiro de sangue que escapava em finos filetes de sangue que escapavam pelas feridas que causei com a minha garra.
- Sua... liber... dade.... Es... tá.... em... min........
A gárgula se regenerava e eu estava perdendo minhas forças... era um jogo perigoso, já que a peça que movi poderia significar minha morte. Togarini se encontrava ali, assim como Geburah. Ambos agiam tanto por mim, quanto pela gárgula em um complexo cenário onde ambos eram vítimas e predadores.
- Não me peça para fazer isso, Alice.
- Você ainda pode matá-la, inquisidora.
- DESGRAÇADA!
Meu corpo caía ao chão, sem forças, mas não inconsciente o suficiente para sentir a gárgula agarrando meu capote e erguendo meu corpo mais uma vez.
- Dê-me uma morte honrada... Descubra o nome de minha criadora e dê-me uma morte honrada, mas não fique mais de braços cruzados... Dê-me reais motivos para que eu a mate inquisidora, enquanto honro minha palavra...

Saturday, June 13, 2009

Manipulações

A conversa que tive com a gárgula, apenas aumentaria seus conflitos internos. Aos poucos, se eu estivesse certa, a gárgula abriria o caminho para que a verdadeira monstruosidade fosse morta.
Jean havia descoberto uma história antiga sobre gárgulas e manipuladores da magia nos tempos antigos da grande ilha. Tivemos muito tempo para pesquisar e agir, sem que Geburah se tornasse um empecilho para ambos.
Orgulhava-me ver O'Toole, agindo daquela forma.
A opressão de Geburah, poderia ser um tanto quanto deprimente.
Mas as mortes continuaram nesse meio tempo. Justiceiros surgiam, assim como vulgos caçadores de bruxas.
Não apenas vulgos, como aqueles que queríamos atrair.
- O jogo que estás fazendo é arriscado demais, Inquisidora.
Geburah resmungava enquanto eu cruzava minhas pernas sobre a mesa, vendo O'Toole ficando incomodado, pois até mesmo ele se encontrava em um conflito interno.
- Deixe-me desenhar a situação para você e Anderson. - falei de modo frio, não me preocupando com repreensões advindas dos dois. Togarini e Thorn se aproximaram daquela reunião de cúpula um tanto quanto inesperada.
- Por todos os dados que levantamos e pelos padrões que se seguiram, das mortes ocorridas nesses últimos longos meses, pudemos perceber que as vítimas possuem uma linha genealógica bem interessante.
Acendi um cigarro e percebi que os olhares estavam sobre mim.
- De um lado, possuímos uma família, que segue o padrão de sobrenome McArthur. Poderia ser um nome qualquer, mas não nesse caso em que esta árvore genealógica é tão bem conhecida por Geburah, como inquisidores que tiveram grande participação na perseguição das famílias pagãs na grande ilha.
O'Toole rangeu o maxilar e por um momento pude perceber seu incômodo, ao que eu destrinchava o caso daquela forma.
- Por outro lado, as pessoas que vem aparecendo mortas, não de forma cruel, como se destrinchadas por um demônio, que aqui diremos que é a nossa adorada gárgula... - Sorri com cruel sadismo e sarcasmo e minhas palavras e pude ver Anderson pigarreando um tanto quanto incomodado.
- Apesar de sobrenomes aleatórios... Thorn e eu descobrimos que as mortes não eram tão aleatórias assim...
Anderson franziu o cenho e ao buscar o semblante de Geburah, que ali se mantinha presente aos nossos olhos apenas, estremeceu ao que o Arcanjo cruzou os braços e fechou os olhos em resignação perante o sorriso vitorioso de Togarini.
- Geburah, não tem me repreendido, pelo simples fato de saber que as demais vítimas fazem parte da mesma árvore genealógica, Anderson... Todos os que morreram torturados depois que a gárgula começou a agir e nós cruzamos os braços, fazem parte da família Morgan. Uma família, que foi caçada pelos Inquisidores e "eliminada" - Frizo as aspas com os dedos - por serem condenados como hereges pelo Inquisidor Andrews McArthur.
Thorn não aguentou, soltando um riso abafado, encarando Anderson com um sadismo frio ao olhar...
- Justiça acima de tudo, Inquisidor... Nada mais do que isso... Não há vitórias e não há derrotas... Pois ambas as famílias, estão defendendo nada mais do que a justiça acima de tudo...
- Então... Esperaremos que eles se matem? Deixaremos a gárgula, honrar seu código de honra e matar todos McArthur existentes em Nova Orleans, para que ela vá para outro lugar? Inocentes estão morrendo...
- Inocentes? - Resmungou O'Toole - O que você faria, se a sua família fosse perseguida, fosse condenada por aqueles que acham que você é o causador de um mal que deve ser extirpado? Não estamos muito longe da linha que essas famílias seguem, Anderson...
Anderson fechou os olhos, tão resignado quanto Geburah naquela situação toda...
- O que sugere que façamos... Alice?
Aquilo foi um bálsamo para meus ouvidos...
- Esperemos.. Até a gárgula me dar o verdadeiro nome de sua criadora... Apenas após isso... Poderemos realmente agir.

Saturday, May 09, 2009

Conversa Franca

Deixei que ela agisse o tempo que quisesse. Pude perceber que a Gárgula estava matando apenas dois tipos de presas. Um dos tipos era os mesmos que eu caçava, portanto ela estava me ajudando sem saber desse fato e o outro tipo...
Bom.. A criança de oito anos que ela matou no dia 13 de fevereiro, era inocente até que se provasse o contrário.
Essa era a motivação de Anderson contra a minha pessoa, alegando que eu estava traindo Geburah, que eu estava voltando às minhas origens de avatar do Arcanjo dos necromantes e que se assim eu continuasse, ele teria que me enclausurar no lugar de onde eu jamais deveria ter saído.
Minha alegação foi bastante simples. No mundo em que vivíamos de avatares da Justiça acima de tudo, até mesmo a criança aparentemente inocente, era um verdadeiro potencial contra outras pessoas inocentes.
Lembro de seu atordoamento, ao que Jean defendeu minhas palavras.
- “Jamais pensei que justo você trairia Geburah, O’Toole”.
O meu escudeiro em sua resignação preferiu se silenciar, ele carregava nas costas a dor contida pela perseguição católica aos atos pagãos.
- Não o culpe Anderson... Ele também possui seus motivos para cruzar os braços nesse caso em específico. Dê-me alguns meses a mais de mortes causados pela gárgula e eu mostrarei que no fundo, até mesmo ela segue os preceitos de Geburah, ou não percebeste o quanto o Arcanjo da Justiça tem andado silencioso?
Ainda posso me lembrar da resignação de Anderson, pois ele sabia o quão fortes tinham sido as minhas palavras.
A cidade estava para eclodir em sua verdadeira caça as bruxas, quando eu a encontrei mais uma vez, em um momento em que ela estava frágil, ferida, depois de uma batalha contra demônios libertos de meus sonhos.
- Cansada? – Murmurei, pouco depois de soltar o trago de um cigarro.
- Grrrrrrr!!! – Aquela voz, depois de meses voltava a surgir aos meus ouvidos. Eu estava em desvantagem, por mais que meu corpo se regenerasse rápido, eu podia sentir o cheiro do ferro frio impregnado em alguma arma que ela carregava, escondido sob o capote naval que ela usava.
Ela me olhava com aqueles olhos de fera. Uma criatura bestial em forma humana, que me encarava, deixando claro que ela poderia me matar naquele exato momento, mas, no entanto, ela permanecia ali, parada, a me espreitar.
- O que queres? Por que não findas de vez o assunto pendente entre nós duas? – Rosnei para a inquiridora.
Ri de modo abafado. Era engraçado em certo ponto ver a gárgula me provocar daquele jeito. Sim.. Eu poderia encerrar o assunto ali.
- Você é apenas uma vítima do acaso. E nós duas sabemos que você tem um padrão que a mantém presa ao seu código de honra.
- O que queres de mim? – Vociferei. Mas a inquiridora permaneceu ali a sorrir, esperando o momento que eu desse meu passo errado.
- O verdadeiro nome daquela que te criou. Matando-a, eu estarei te libertando. Liberdando-te, eu poderei verificar até onde você é inocente ou culpada em toda essa história.
O quê? A Inquiridora não me matou até hoje por perceber meu elo com minha criadora?
- GRRRRR!
- Você tem dúvidas também. Pude observar seu conflito interno todo esse tempo. Não me basta saber que sua criadora é uma Morgan.
Meu corpo tremia, eu podia sentir toda a fúria se espalhando pelos meus nervos. Eu teria que defender minha criadora contra a Inquisidora e no entanto, mesmo aquela predadora me falando naquele momento o que pretendia fazer e deixando claro, que também me caçaria futuramente, eu não conseguia ir contra ela. Ela não era uma McArthur, não estava instigando uma luta fisicamente.
- Todos acabam se tornando marionetes e muitas vezes agimos desta forma por tomarmos gosto pela morte. Pelo cheiro do sangue, pelo prazer de ceifar vidas... Pela fuga de nossas mentes, por achar que assim... tudo se torna mais fácil... Preferimos nos isolar do mundo e das pessoas que se importam conosco... E quando as únicas pessoas que nos vêem mais que meros monstros e marionetes se ferem... Nos culpamos por estarmos de mãos atadas.
As palavras dela chegavam aos meus ouvidos, penetravam meu corpo pétreo. Ela tentava humanizar um monstro como eu. Quem era ela para dizer algo? Ergui meus olhos injetados de ódio, mas ela havia saído, me deixando com mais conflitos internos. Que era ela afinal?

Friday, February 13, 2009

Ponderações

Havia mais de um mês que eu não via aquela mulher pelas ruas.
Um mês sem ela e aquele nórdico que vinha andando com ela.
Havia mais de um mês que eu não via sequer o rapazote que parecia um cãozinho pedindo a atenção da mulher fria e olhar predador.
Um predador determinado jamais deixaria outro predador tomar conta de seu território.
Algo havia acontecido!
Por mais que eu tenha derramado sangue nas ruas, ela continuava desaparecida e as ruas pareciam mais perigosas.
Predadores inescrupulosos pareciam saltar das sombras em busca de qualquer corpo, sangue ou alma.
Predadores esses que começavam a me dar trabalho.
Não me bastava outros tipos de inquisidores, agora eu estava tendo que enfrentar seres que conheci apenas no meu local de origem.
Meu verdadeiro lar, no qual eu era liberta e desejava tanto sangue quanto esses predadores que agora enfrento.
O vento batia em meu rosto e eu podia ver ainda resquícios do estrago de uma grande explosão.
Meus dentes rangiam e minha bestialidade urrava em minha alma.
Nada.
Onde estava aquela mulher?
A constelação do caçador exigia que eu seguisse e fizesse o que eu devia fazer.
Mergulhei.
Escutei gritos de terror.
Meu corpo estremecia.
O sangue jorrava para dentro de minha boca, escorria pelo meu corpo.
Minhas presas mergulhavam no músculo tenro e macio.
Minhas costas retesavam ao escutar cada fragmento de ossos estalarem.
Minha ferocidade aumentava a cada som delicioso da pele rompendo contra a vontade.
Meus olhos quase se cegavam com tamanho êxtase que acalmava parte de minha bestialidade.
- Monique!!! Mooniiiqueee!!!
Minhas garras buscaram então algo mais sólido, penetrando cada local ainda intocado. Meu nariz franzia e minhas presas se faziam presentes.
Meus olhos ardiam.
Onde estava a inquiridora?
Onde estava aquela mulher capaz de parar monstros como eu?

- AAAaaaaaaaaaaaaaaaaaaaahhhhhhhhh!!!!!!!!!!!!

“Nova Orleans vem sofrido com as mortes ainda sem solução. Uma multidão se move contra o representante local, exigem uma solução. Passeatas são feitas, os mais fervorosos clamam pela liberação do que pode vir a ser uma verdadeira caça às bruxas. A um dia do dia dos namorados, as pessoas não possuem motivos para sorrir ou comemorar. Monique McArthur de apenas oito anos de idade, foi encontrada brutalmente assassinada. Os policiais ainda não deram declarações sobre a série de mortes que assola a cidade desde as festividades do Lughnasadh”.

A televisão era desligada e eu caminhei até a mesa. Meu dedo deslizava sobre algo e meus olhos esmiuçaram.
- Interessante. – murmurei – A mãe de Monique não era uma McArthur.
- Desde quando você sabe o que ela vem caçando, Alice? – Perguntou-me Anderson, percebendo algo em meu comentário.
- Você esqueceu-se de seu juramento à Geburah? – Explodiu em uma acusação formal e eu olhei para ele.
- Não e é justamente por isso que ainda não agi.
Minhas palavras frias pareciam apunhalar o coração de Anderson. Por um momento o vi sem reações e pela primeira vez eu via Geburah em um xeque no qual ele não podia me chantagear.
- Alice! – ouvi o esbravejar de Anderson enquanto eu saia da sala e meu sorriso surgiu aos meus lábios assim que fechei a porta.
- Olho por olho, Geburah. – ri baixo, acendendo um cigarro e indo ao encontro de Thorn e Jean.
Afinal... Nunca foi tão reconfortante ver Geburah de mãos atadas.

Friday, January 02, 2009

Após o Revéillon

Eu não sei o que era pior, se era uma gárgula solta por Nova Orleans, aumentando as estatísticas de que o Natal pode ser a pior época para se andar sozinho durante a noite, ou se era ter que ficar com uma camisa de força, à base de sedativos e ter os raros amigos cuidando dos meus convidados especiais.
Não sei o que era pior, se era em meu estado quase coma, sentir as rivalidades entre Jean e Thorn aumentando para ver quem cuidaria de mim, ou se era ver que nessas épocas de festividades eu me tornava uma completa inútil e que seria mais fácil se dessem um tiro em minha cabeça.
Certas feridas nunca cicatrizavam e a mais profunda foi feita justamente em uma festa natalina.
Quando meu irmão resolveu mostrar sua verdadeira natureza e que fui apresentada, mais uma vez ao hospício.
Quantas vezes me feri, tentando me libertar de minha camisa de força, gritando ensandecida que eles estavam libertando no mundo monstros que iriam dilacerar suas almas?
Quantas vezes me debati contra a parede, tentando em manter desperta, mesmo depois dos sedativos.
Os sedativos estavam ficando cada vez mais fortes, já que eu estava lutando e criando resistência contra eles.
Foi em uma noite de Natal, quando minha mente estava quase enlouquecendo e eu já estava começando a implorar para que meus demônios interiores me matassem, que ele surgiu, acariciando meus cabelos, olhando-me como aqueles olhos tão cinzas quanto a inexistência da vida.
- "Eu sei que você não está louca e sei como trazer seus pais de volta, mas toda magia possui um preço Alice. Você aceitaria este presente que estou te dando?"
Naquele dia eu aceitei, eu disse sim e mergulhei a minha vida em algo que modificaria todos os planos traçados por Deus.
E quão deliciosos foram os dias que se seguiram, onde os piores dias para mim, eram os dias em que o barbeiro demoníaco sentiria inveja.
Quanto maior era minha dor e meu sofrimento, quanto piores fossem meus pesadelos, mais eu me aproximava do Inferno e o purgatório estava ali...
Tão palpável...
Tão presente...
Tão real com aquele demônio erguendo Thorn e Jean quase sem vida...
- NÃÃÃÃÃO!!!!
Meus olhos se abriam repentinamente e as chamas se espalhavam ao meu redor.
A camisa de força caía pulverizada ao chão, atingindo em cheio meu convidado de honra, meus amigos a sala inteira.
Naquela noite, que era a renovação de esperanças em que fogos de artifício davam boas vindas para mais um ano vindouro, uma sala da seção 9 quase explodiu e foi bem trabalhoso, para eles trazerem de volta dois necromantes e um paladino.
E pensar que hoje é ainda o segundo dia de um ano novo...
- Desta vez você não perdoou a nossa briga, não é mesmo? - Perguntou-me Thorn sorrindo em uma cama logo ao meu lado.
- Vocês dois deviam saber, que brigas perto de quem está dormindo, sempre leva para os piores caminhos. - resmunguei rindo, sentindo um pouco de dor.
- Me lembrarei disso, da próxima vez que eu for brigar com o necromante. - Resmungava Jean na cama do outro lado.
- Eu devia ter deixado vocês no Inferno, mas como isso me deu pontos...
- ANDERSON!!! - Gritamos os três com o chefe da seção 9. Talvez, apenas talvez, por ele estejamos aqui, conscientes e lembrando que 2009 será um longo ano e que novos casos nos aguardam. Afinal? Quem disse que Anjos e Demônios tiram férias?