Tuesday, September 22, 2009

Você pode correr...

O medo naqueles olhares era forte o suficiente para afastar as pessoas e torná-las presas fáceis. Presas prontas para o abate, mas os adormecidos não eram a carne que eu queria mastigar. Meu corpo se movia, meus instintos me guiavam. Cada fresta, cada buraco, cada templo arrombado, e eu sorria. Deleitava-me com os gritos de que não sabiam; dos pedidos de perdão; do implorar por uma morte rápida a cada vez que eu arrancava um órgão e os trazia de volta à “vida”. Ah! Deliciosos corações devorados, que guardavam as emoções e não a alma, que continha o poder inimaginável em seu gosto férreo, de um músculo quase de aço. Divertia-me com o quebrar de ossos, o rasgar da pele, as palavras balbuciadas, confirmadas apenas ao que o manjar final era sorvido. Huuum! Como era delicioso o estremecer do meu corpo, ao sentir aquele líquido ocular viscoso, adentrando minha boca, saciando minha fome, trazendo à minha mente toda a vivência daquela alma. Demônios que encontraram a gárgula, cada morte que trouxeram aos Morgan, assim como anjos da guarda que protegiam os McArthur. Os gritos chegavam aos céus e ao inferno e quantos mais mandassem para mim, mais diversão eu teria.
— O Criador jamais os perdoará... – Balbuciava um anjinho, depois de ter sido depenado, ter suas asas rasgadas, suas tripas arrancadas e seu coração mastigado.
— Ele está cansado disso tudo Ramiel! Cansado de ver suas próprias crias quebrando seus mandamentos. Cansado de suas primeiras criações, por isso fomos criados... Sete anjos para saciá-lo. Sete anjos para deleitá-lo em todo seu prazer, sadismo, fome e sede. Em toda sua deturpação, crueldade e insanidade. Alguns de vocês tomaram a rédea. Fizeram bem o seu serviço, mas a falta da graça do pai, da voz em suas mentes, tornou-os insensatos. E adivinha quem ele usa para relembrá-los de que as coisas não são tão fáceis e tão belas?
— Pensei que o olho por olho, fosse departamento de Geburah – murmurou cada vez mais fraco Ramiel.
Ri baixo, sombrio, arrancando-lhe o primeiro olho. Passando a ponta da língua naquele orbe tão cheio de vida, de lembranças, de sabedoria.
— Geburah, é apenas um maldito aprendiz que deseja superar o mestre... De onde você acha que ele retirou suas técnicas?

Friday, September 04, 2009

Assim será...

Não compreendia porque ela me perguntava aquilo, porque me olhava daquela forma consternada e receosa como há tempos eu não a via desta forma.
- Milady?
A voz de Ângela arrancava-me daquela visão que por breves momentos eu tive. Uma visão que me estremecera diante da figura sombria, que crescia aos gritos de todos os que morreram nas mãos de meus inimigos. Havia sangue e um terror crescente, mostrando-me a queda dos Morgan em tempo presente. Jamais havia me intimidado de igual forma, nem mesmo os inquisidores que um dia exterminaram quase por completo minha linhagem na invasão do Castelo, quando fomos declarados inimigos de Deus. Hereges que deviam ser ceifados por se aliarem aos demônios que protegiam o nosso reino.
- Mate-a, antes que seja tarde demais. – Murmurei desvencilhando olhos e corpo ao que ela se aproximara em sua dedicação completa.
Togarini havia movido sua peça, a mais forte dentre elas. Conhecia-o bem e sabia que era chegado o tempo de nosso verdadeiro embate. Alice havia usado sua necromancia, isso era claro de fato. Eu desejava aquela alma que se rebelara contra meu domínio, usá-la-ia como exemplo para outro corrompido. Usava minhas palavras aos lábios da feiticeira, tornando mais forte o comando perante aquela com um código de honra para cumprir. Mas jamais saberia o que Christine viu em sua mente, em seus olhos que manipulam as linhas de seu destino, então me restava manipular a gárgula aos meus desígnios, antes da Alice voltar a ser a besta desenfreada desejosa de sangue e almas.
Tudo que havia sido levantado sobre o caso, passava diante de meus olhos, algo me dizia que Alice estava escondendo algo. A velha sensação de proteção, àquela que despertara em mim tal sentimento, berrava, acelerava meu coração e minhas mãos espalhavam os papéis ao chão. Por algum tempo tive que renegar Geburah, por maior que fosse meu senso de justiça acima de tudo. Peças eram movidas em um tabuleiro que eu não conseguia enxergar e o necromante viking se mantinha silencioso, observando pela janela uma tempestade que estava para chegar.
- Sinto-me inútil, não podendo ajudar! – Berrei ao que as folhas se espalhavam pelo chão. Um castelo de cartas que se desfazia diante de minha frustração.
- Essa batalha não é nossa, Jean. Jamais nos pertenceu. – Olhei para o cavaleiro, aquele príncipe encantado. Cachorrinho perdido que pressentia a perda de sua dona e mesmo parecendo tão frio, meu coração se apertava, pois Togarini deixava claro aos meus olhos, mesmo estando tão distante de minha presença, que Alice voltara aos primórdios antes da influência de Geburah. Jean tentava ser imparcial, mas por quanto tempo mais ele agüentaria ficar ali sem interferir?
Ri, sentindo mais uma vez a “liberdade”... Sentindo aquelas lembranças que cresciam em minha mente, mostrando-me a caça que um dia fora feita. Ri com o êxtase sentido por Togarini, ao matarmos o demônio que clamava para não ser extinto. Andava cambaleante em meus ferimentos, vendo as pessoas abrirem o caminho. O medo era o alimento perfeito, aquilo que aprendi a amar, depois que selei meu pacto com Togarini. Depois que Thorn salvou-me de minha auto-cosimeração.

Thursday, September 03, 2009

Se é assim que desejas...

Não muito distante ela estava de mim, eu poderia ter ficado ao chão, ter morrido naquele momento de paz que Togarini me manteve enquanto sofria de alguma forma em meu desejo de morrer. Minha mente embaralhava com sentimentos meus e com os do arcanjo da morte. Em minha alma pétrea e desacreditada, eu poderia dizer que ele apenas não desejava minha morte, pois me perderia de uma vez por todas para Geburah. Mas o anjo negro, regente dos necromantes, deixava uma pequena fresta se mostrar, em meio a sua alma de sangue e sadismo constante.
Geburah envolvia Ângela em seus braços, sussurrando-lhe ao ouvido palavras que eu bem conhecia. Mesmo distante aquele crápula movia suas peças do modo mais pérfido. Mesmo com os corpos ausentes de minhas vistas, ela ainda estava por perto. Arrastava-me, isso era fato presente aos olhos daqueles que não se faziam presentes, deixava uma trilha de sangue, dos ferimentos abertos, mesmo não cuspindo sangue.
Corpos mortos, sangues... Poças de sangue grandes o suficiente. Corpos mortos recentemente e eu sorria.
Sorria enquanto deixava meu corpo cair de joelhos, tendo o corpo de um demônio entre eles.
Eu não tinha a trilha da vida, mas corpos são corpos e almas são almas. Símbolos traçados com o mais rico ingrediente.
- Ainda não é tua hora! – Murmurei sadicamente.
Deixava meus lábios, murmurarem à criatura abatida o amargo regresso. Seu corpo estremecia, queimava em suas entranhas, enquanto minhas mãos mostravam aquele fogo fátuo. Acorrentando-o, prendendo minha deliciosa presa que estava se recuperando em seu reino.
- Mal...ditos... se...jam... – rosnou o demônio acorrentado, vendo sua existência preste a ser dissipada.
- Há tempos o Arcanjo da Justiça tem dado baixas em seus exércitos.
- Isso nunca nos impediu... Inquisidora... Sabes bem disso...
Ri sarcasticamente, deixando que o demônio visse aquilo que ele não queria.
- Tog...
Meus dedos cravavam à pele do demônio aprisionado, puxando-o contra o meu corpo, enquanto meus olhos mudavam de cor constantemente. O fogo fátuo alterava para o verde, depois enegrecia, para o pior dos pesadelos que um demônio poderia vir a ter.
- Ele rouba em seus golpes baixos, almas que não lhe pertencem. Mantendo-se na graça do velho bastardo. Por tão menos teu regente fora desgraçado. Por tão menos teu regente perdera esposa e quase perdera a filha.
Queimava-o, consumindo-o como um bom vinho. Sentia o deleite da alma torturada por fogo e do sangue que fervia em suas entranhas.
- O QUE QUEREM DE MIM? – O rugido estremecia os adormecidos a quilômetros, lançando uma sombra de terror em seus corações.
A insegurança do lar aumentava em suas vidas, enquanto os cabelos negros repousavam ao corpo derretido.
- Suas lembranças... Sua alma...Sorri, erguendo-me em delicioso triunfo, deixando a trilha de sangue aumentar. Meus dedos deslizavam pela parede, manchando-a com os restos de um ritual necromante...
Moooorgaaaan...
Christine Morgan estremeceu por um breve momento, recuando seus passos para trás. Havia perplexidade em seu rosto. Há séculos não a via consternada, como vi naquele momento.
Ângela estava recoberta de sangue, minha gárgula parecia em paz mesmo com o coração arrancado. Quem era aquela sombria criatura que se mantinha sobre ela que me olhava de soslaio, mostrando-me igual fim a que minha gárgula teria?
- Quem é você?