Thursday, July 31, 2008

O Dia Anterior

O tempo corria a favor do festival da colheita e queixas se assomavam no Bureau por conta da minha falta de sutileza.
Processos pareciam crescer às minhas costas, com acusações formais e informais do uso de violência gratuita, abuso de autoridade, homicídio triplamente qualificado e tantas outras mais acusações possíveis.
O FBI sabia que eu estava fazendo meu serviço, usufruía de sua influência burocrática para contornar todas estas questões, enquanto Togarini se rejubilava com tanto sangue derramado.
Braços quebrados,
Cabeças arrebentadas,
Corações arrancados e todos diziam a mesma coisa...
"Agora é o período da Primeira Colheita,
Quando a fartura da natureza se dá para nós,
Para que possamos sobreviver."

Minha fúria aumentava e o findar de tudo isso era o momento que eu arrancava a alma dos condenados com as minhas próprias mãos.
Geburah gostava, Togarini se satisfazia e eu mantinha minhas mãos sujas de sangue.
- Bruxos...
O calafrio veio tarde demais.
O gosto de sangue enchia minha boca e eu podia escutar aquele rosnar, erguendo meu corpo aos poucos.
- Inquisidora...
Minha visão estava borrada, mas eu podia ver finalmente aquele semblante pétreo, com seus caninos tão afiados.
- Finalmente...
Murmurei abrindo um sorriso aos meus lábios e a besta percebeu tarde demais o que a atingiu.
O ferimento era aberto em meu corpo. Dolorido demais, quente demais. Aquela Inquisidora mostrava-se uma rival mais forte que os McArthur. Não consegui conter o urro, ela enfiava aquela arma dentro de mim, torcendo-o, quase o quebrando dentro de mim. Joguei-a contra a parede, abrindo distância de nossos corpos. Meu sangue negro esvaía pelo ferimento. Ela não tinha o cheiro de meus verdadeiros inimigos, ela não caçava os meus protegidos. Era a mim que ela estava caçando.
Mesmo ferida, ela ainda tinha forças para me arremessar. Demorei em recuperar o fôlego. Meu corpo inteiro doía. Talvez uma costela fraturada. Talvez duas. Mas ela estava ferida e eu sabia que aquele ferimento não ira se curar tão rápido quanto os ferimentos às balas.
- McArthur... – Falei de forma fraca, recostando-me à parede. Tentando me sentar...
Só o escutar daquele nome me fazia rosnar... Aquele nome maldito... Amaldiçoados fossem...
- Podemos nos matar nesse exato momento... - falo de modo fraco. Algo estava errado. A minha respiração estava queimando.
- Deixe-a...
Meu corpo inteiro reage com aquela ordem... Vir-me-ei e cravei minhas garras nas paredes, escalando aquele prédio. Deixando para trás aquela inquisidora que ainda poderia significar o aprisionamento de minha alma de uma vez por todas.
- Seu desejo é uma ordem, Milady.
Milady? Tratamento respeitoso, arcaico e minha visão estava escurecendo... mas não antes de ver de relance uma pessoa envolta em um manto azul...
Meu punhal brilhava, meus passos eram leves. Seria um Inquisidor a menos na face da terra. Um Inquisidor a menos. Minha mão se erguia firme, decidida. Foi então que eu percebi aqueles pares de asas negras surgindo, crescendo, como se brotassem das costas. Pude ver um corpo se erguendo de dentro dela.
- Ainda nos encontraremos Inquisidora... – murmurei abrindo um portal, atravessando-o antes que aquilo se libertasse.

- Ainda não é sua hora, minha avatar...

4 comments:

Camila Muniz said...

Mistério desde as primeiras linhas até as últimas, mas de igual modo tanto no que está explícito quanto no que está implícito. Alice é deveras interessante, mas o que me intriga é... Eu conheço esse Anjo?

Lais Camargo said...

acho que tenho minha preferida.
alice...sempre foi um nome que me atraiu; alice no país dos espelhos, das maravilhas..
e, quem és tu afinal?
não respondas, é só lembrança de tempos antigos, nos quais as fogueiras queimavam com combustível humano e os gritos ainda ecoam em minhas memórias passadas...terras distantes...

=***

Dani said...

Adoro esse ciberespaço onde a gente sempre faz grandes achados. Que escrita!!! Estou aqui, pouco a pouco me deliciando com seus textos. Parabéns!!!

Samuel Medina (Nerito Samedi) said...

De repente, um turbilhão de violência vem contrapor a equilibrada concentração que reinava no capítulo anterior. Mais uma vez, flash de sangue e violência, tão bem-vindo aos arcanjos (e também a este leitor) preenche este espaço. Mais uma vez, perguntas ficam no ar, esfumaçam-se no misterioso céu de New Orleans.
E aqui estou, cara amiga, assistir mais uma vez as palavras de Togarini, aquelas mesmas palavras que sustentam a guerreira, a inquisidora, sempre que sua vida fica por um fio!